Herdeiros mais bem preparados

Crise exige herdeiros mais bem preparados para assumir negócio
(Maurício Oliveira)

A morte do imigrante italiano Nello Mazzaferro, em 2011, representou um grande baque para sua família, mas não para a empresa que ele fundara cerca de seis décadas antes em São Paulo – a Mazzaferro, especializada na transformação de plásticos para a fabricação de produtos de pesca, utilidades domésticas e fios para diversas aplicações.

A transição para a segunda geração já estava consolidada, processo que transcorrera de forma gradual e planejada – por mérito, em grande parte, do próprio empreendedor, que percebeu com a antecedência necessária que era preciso encaminhar sua sucessão para perpetuar o negócio.

O passo mais importante foi criar condições para que seus filhos se preparassem para atuar na empresa, e não que assumissem o comando do escritório apenas por serem herdeiros. “Aprendi desde cedo que precisaria trabalhar duro para merecer a posição que ocupo hoje”, diz Claudio Mazzaferro, 49 anos, caçula dos quatro filhos de Nello e atual CEO da empresa, que tem 400 funcionários e faturamento anual na casa de R$ 300 milhões.

Claudio formou-se em administração de empresas na Itália e fez MBA pela Business School São Paulo, além de cursos na Harvard Business School e Booth School of Business, nos EUA, e Rotman School of Management, no Canadá. A preparação mais específica para entender a dinâmica de um negócio familiar se deu com os cursos de conselheiro de administração e de governança corporativa em empresas familiares do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Nesses cursos, Claudio aprendeu a importância de atuar com base no que ele chama de “intransigência metodológica”. Segundo ele, isso significa estar ciente de que sua missão é buscar o cumprimento de estratégias definidas em conjunto pelo conselho de administração e o conselho de família – instância que tem como uma de suas incumbências a preparação dos membros da terceira geração.

“Casos de transição bem planejada deveriam ser a regra, mas ainda é comum ver empresas sendo pegas de surpresa pela morte ou doença do fundador”, diz a consultora Cláudia Tondo, especializada em famílias empresárias e diretora do IBGC.

Ana Cláudia Reis, sócia-diretora no Brasil da consultoria de recrutamento executivo CTPartners, enfatiza que diante de um cenário macroeconômico complicado como o atual, a concorrência se torna mais acirrada em todos os setores, e isso faz aumentar a pressão sobre as empresas familiares. “Em muitos casos, os fundadores estão tão envolvidos no cotidiano do negócio que não têm condições de pensar a longo prazo”, afirma.

Há também os que relutam em transferir o controle ou a gestão para os herdeiros com a ilusão de que são eternos – e só começam a mudar de ideia depois de viver uma situação extrema. “Tive um cliente que só decidiu se mexer depois que sofreu um sequestro-relâmpago e percebeu que tudo na empresa e na família dependia dele”, exemplifica Cláudia Tondo, do IBGC.

Nem todo herdeiro tem essa vocação e está preparado para assumir um cargo na empresa da família, mas muitos que cumprem esses requisitos enxergam a transição de gerações como uma verdadeira missão de vida: levar adiante a obra deixada pelos antepassados. Apesar da conotação quase sagrada que o trabalho ganha nessas circunstâncias, todo herdeiro acaba enfrentando, mais cedo ou mais tarde, o dilema entre continuar nos negócios da família ou seguir carreira solo.

“É preciso muita persistência e inteligência emocional para resistir à tentação de sair”, diz Claudio Mazzaferro. Basta vê-lo falar sobre os planos frente à empresa fundada pelo pai, contudo, para perceber o quanto ele gosta do que faz e se motiva com as perspectivas de expansão. “No meu caso, prevalece também o orgulho e a identificação com uma história empresarial de 63 anos.”

Uma providência que pode ajudar a suportar a pressão e enxergar caminhos em meio a um percurso tão complexo é contar com o acompanhamento de um coach – no caso de Claudio, esse trabalho vem sendo realizado há dez anos por Herbert Steinberg, da Mesa Corporate Governance.

A consultora Renata Bernhoeft compreende bem os dilemas vividos por muitos de seus clientes. Ela até tentou escapar do destino de seguir os passos do pai, Renato Bernhoeft, consultor especializado justamente na área de sucessão. Trabalhou em administração hoteleira, teve um restaurante e uma franquia de lanches. Certo dia, ajudou o pai em um projeto, gostou e “foi ficando”. A partir daí, fez MBA executivo e pós-graduação em terapia de família.

Hoje, aos 44 anos, está à frente da höft, a consultoria que dá sequência à Bernhoeft, fundada pelo pai em 1975. “Percebi que minha missão é unir esses dois universos: empresa e família”, define Renata. Curiosamente, essa mesma vocação se apresentou na vida pessoal. Seu sócio, Wagner Teixeira, que entrou na consultoria em 1999 como executivo não pertencente à família, tornou-se seu marido em 2005.

De acordo com Renata, um dos maiores desafios de um processo de transição de gerações é “criar fibra” em quem está chegando. “A empresa precisa de gente que se dedique de verdade e não pode se transformar num cabide de empregos. Caso contrário, estará condenada a desaparecer”, diz.

Publicado no jornal Valor Econômico em 25/junho/2015 e no site SFO Brasil em 10/julho/2015:
valor.globo.com/carreira/recursos-humanos/noticia/2015/06/25/crise-exige-herdeiros-mais-bem-preparados-para-assumir-negocio.ghtml
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